O contrato social (1762), de Jean Jacques
Rousseau é um livro princípios que aborda idéias de uma moral alicerçada na
liberdade, intima relação entre sociedade e a natureza, a teoria da bondade
natural do ser humano e a excelência do sentimento sobre a razão que
fundamentam sua idéia. Sua pretensão foi mostrar onde estar fundada a ordem
social, já que não estava presente no direito natural, nem na força, porém num
pacto social. Visto que, para Rousseau. “O
homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros. De tal modo
acredita-se o senhor dos outros, que não deixa de ser mais escravo que eles.
Como é feita essa mudança? Ignoro-o. Que é que a torna legítima? Creio poder resolver
esta questão” (Rousseau, p.16). Neste sentido, ele acreditava que o homem
tinha uma liberdade original que era perdida no momento em que se estabelecia,
através de uma convenção, uma ordem social. Procurou então, explicar a
legitimidade desta mudança de passar da condição de um estado de natureza á uma
sociedade civil.
Considerava a família o exemplo mais antigo e
natural de sociedade, pois para ele os filhos só permaneceriam ligados ao pai
de maneira natural enquanto tivessem algumas necessidades de “conservação” a
serem supridas. Então, seguindo esta lógica de pensamento Rousseau faz a
analogia entre família e Estado dizendo que “É a família, portanto, o
primeiro modelo das sociedades políticas; o chefe é a imagem do pai, o povo a
imagem dos filhos, e havendo nascido todos livres e iguais, não alienam a
liberdade a não ser em troca da sua utilidade. Toda a diferença consiste em
que, na família, o amor do pai pelos filhos o compensa dos cuidados que estes
lhe dão, ao passo que, no Estado, o prazer de comandar substitui o amor que o
chefe não sente por seus povos” (Rousseau, p.17 e 18). É neste ponto do
pensamento de Rousseau que quero me dispor para fazer algumas
colocações, constituiu-se coerente à analogia proposta por ele, entretanto
acredito que o funcionamento da família e sua permanência estão vinculados bem
mais ao amor incondicional entre pais e filhos do que a troca de interesses,
diferentemente do funcionamento das sociedades políticas, em que o jogo de
interesses é seu principal aliado. Por isso, considero que ele se fez muito
simplista em sua observação a cerca da permanência da família, já que a ligação
natural entre pais e filhos se mantém por motivos bem mais complexos do que uma
simples conservação de necessidades, como afirma nesta passagem “Os filhos
só estão ligados ao pai enquanto precisam dele para sobreviver. Tão logo cessa
tal necessidade esse vínculo natural se dissolve. Os filhos, isentos da
obediência ao pai, o pai isento dos cuidados que deve aos filhos, voltam a ser
igualmente independentes. Se continuam unidos, não mais naturalmente, é
voluntariamente, e a própria família só se mantém por convenção” (Rousseau, p.17). Não acredito que
essa ligação ou vínculo familiar perca sua naturalidade, sabendo-se que, já tem
tal característica por essência e se assim é, não pode deixar de existir de
forma natural, visto que, uma coisa natural é espontânea, própria dela mesma,
não podendo deixar de ser, pois trás essa característica inerente a si.
Portanto, se Rousseau diz que o vínculo se fez natural em algum momento,
acredito que não pode ser dissolvido, pois não tem como acabar algo que não
temos como escolher já que ele se faz por essência.
Para Rousseau, o início desse Contrato social se
deu no momento em que os indivíduos se uniram, visando superar obstáculos que
não conseguiam em seu estado natural. Portanto, o ponto essencial para
existência deste contrato é o fato do homem ter escolhido passar do estado
natural para o estado civil, a fim de preservar os direitos naturais da
igualdade e liberdade. Entretanto, ao vigorar o contrato o indivíduo não só
ganha, vejamos o que nos diz Rousseau “O que o homem perde pelo contrato
social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que o tenta e pode
alcançar; o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui.
Para que não haja engano em suas compensações, é necessário distinguir a
liberdade natural, limitada pelas forças do indivíduo, da liberdade civil que é
limitada pela liberdade geral, e a posse, que não é senão o efeito da força ou
do direito do primeiro ocupante, da propriedade, que só pode ser baseada num
título positivo”. (p.36 e 37). A propriedade
segundo ele foi umas das principais responsáveis dessa passagem do homem para o
estado civilizado, tendo a sociedade neste novo estado civil à obrigação de
obedecer somente aos poderes legítimos.
Rousseau se contrapõe a idéia de direito
concedido pela força, entende o poder como algo dirigido pela supremacia da
vontade do povo, sendo este o detentor da soberania. E por meio do contrato
social, os indivíduos fariam um pacto social e se auto-estabeleceriam como
povo, transferindo os direitos naturais para que fossem transformados em
direitos civis. Soberania esta, que é inerente ao povo e dirigida pela vontade
geral, era definida como indivisível e inalienável, como um bem público, comum
a todos e representada por meio de um Estado que era responsável por assegurar
o direito à liberdade, igualdade e expressar essa vontade geral. Nesta
perspectiva, ao trazer as idéias de Rousseau sobre soberania popular, vejo que
o Estado brasileiro está em consonância quanto á questão da indivisibilidade e
inalienabilidade como características da soberania e também no que tange a
questão do poder popular já quem em nosso Estado, assim como no de Rousseau
todo poder emana do povo (pelo menos no texto constitucional!), todavia,
distingui-se no momento em que Rousseau entende que o Estado, isto é, a pessoa
pública não pode interferir na esfera do direito privado, pois o seu limite de
intervenção está na obediência dos interesses da comunidade de modo geral,
conforme Rousseau “quando se trata de um fato ou um direito particular sobre
o ponto não regulado por uma convenção geral e anterior, a questão se torna
contenciosa. É um processo em que os indivíduos interessados são uma das partes
e o público, a outra, mas na qual não vejo nem a lei que convém seguir, nem o
juiz que deve decidir” (p.50).
Em nosso Estado se contrapondo a essa idéia de
Rousseau infelizmente, temos que prever quase tudo em lei, pois estamos numa
sociedade em que muitas pessoas encontram-se com seus valores morais
distorcidos e corrompidos, não estão sabendo fazer um bom uso de sua liberdade,
sendo por muitas vezes incapaz de manter posturas civilizadas mesmo diante de
leis que as sancionem, imagine se não as tivéssemos!Uma indagação não sai da
minha mente, até que ponto o Estado vai ter que interferir na vida particular
do individuo para que ele não desrespeite ou prive o outro de exercer o seu
direito? Será que realmente precisamos de todo esse legalismo para conviver
civilizadamente com o próximo até nas formas mais simples de nos relacionamos?
O que nos parece é que temos evoluído apenas no campo tecnológico e cientifico,
porém como “ser humano” nos encontramos num processo de involução, pois
enquanto seres racionais que somos, estamos deixando que prevaleçam mais as
posturas instintivas e anti-sociais.
Outro ponto das colocações de Rousseau que vai de
encontro ao que penso é a questão dele acreditar que a vida é algo alienável e
subordinada então ao bem do Estado, ou seja, ”O tratado social tem por
finalidade a preservação dos contratantes. Quem quer o fim quer também os
meios, e esses meios são inseparáveis de alguns riscos e mesmo de algumas
perdas. Quem quer preservar a vida à custa dos outros dá-la também por eles
quando necessário. Ora, o cidadão não é mais juiz do perigo ao qual a lei quer
que se exponha e, quando o príncipe lhe diz:” É útil ao Estado que morras”, ele
deve morrer pois nessa condição que viveu em segurança até então, e sua vida
não é mais apenas um favor da natureza, mas uma doação condicional do Estado.A
pena de morte infligida aos criminosos pode ser considerada mais ou menos sob o
mesmo ponto de vista:é para não sermos vítimas de um assassino que consentimos
em morrer se nos tornamos um.”( Rousseau, p.54). Não aceitamos que a vida
possa está à disposição da utilidade do Estado, pois ela não é um objeto e nem
tão pouco o Estado é Deus que pode dispor da vida quando ele achar necessário
alegando a defesa de todos que representa. No meu ponto de vista, a vida é um
bem intocável pela vontade humana e não cabe a mesma decidir pelo fim dela, o
único que pode fazer isso é o mesmo que deu início a sua existência, DEUS! A
condenação à morte é uma negação dos direitos humanos, é uma resposta cruel e
degradante do Estado que decide se torna um assassino alegando de forma
antagônica que o faz em nome da justiça, mostrando uma incompatibilidade com as
normas de comportamento civilizado, em suma, é uma decisão inapropriada e
inaceitável seja qual for a situação.
Voltando ao pensamento de Rousseau percebi que
nesse contrato o poder político é entendido como fruto do povo, desta forma, o
poder do soberano não perpassa os limites das convenções gerais, não podendo
existir interesses privados. É no pacto social que se dará existência e vida ao
corpo político e as leis darão dinâmicas e vontade, pois as convenções e as
leis são necessárias para estabelecerem a união entre os direito e deveres e
redirecionar a justiça a seu objetivo, assim “as leis são propriamente
condições da associação civil. O povo submetido ás leis deve ser o seu autor;
Compete apenas aos que se associam regular as condições da sociedade” (Rousseau, p.59). Seguindo essa
lógica de raciocínio vejo que no contrato social a legislação é vista como um
recurso para correção das coisas, do jeito que são de forma a aproximar de como
devem ser, haja vista, que em situação conflitante a natureza acaba sempre por
vencer, isto é, a prevalência dos impulsos instintivos e anti-sociais das
pessoas.
Então em Rousseau, para que se possa regular da
melhor maneira à coisa pública faz-se necessário considerar algumas relações: a
primeira é a ação do corpo inteiro sobre si mesmo, isto é, a relação do soberano
com o Estado, de onde surge as leis que regulamentam a relação do soberano com
o Estado e são denominadas de leis fundamentais. A segunda é relação dos
membros entre si ou com o corpo inteiro, nesta o cidadão tem independência em
frete aos outros e dependência mediante ao Estado, é de onde nasce à lei que
administra a relação entre os cidadãos, são as leis Civis propriamente ditas.
Por fim, a terceira que é a relação é entre o homem e a lei, e que abarca a
desobediência á pena dando oportunidade para o surgimento das leis criminais.
Por fim, estas três juntam-se numa quarta que conforme Rousseau “faz a
verdadeira constituição do Estado; que assume todos os dias novas forças; que,
quando as outras leis envelhecem ou se extinguem, as reanima ou as supre(...)Falo
das práticas, dos costumes e sobretudo da opinião”(p.80). Neste contexto, o
governo é considerado por ele um
corpo interposto entre os súditos e o soberano, em que há reciprocidade entre
as partes, sendo ele responsável pela excursão das leis e de manter a liberdade
tanto no âmbito civil como político, assim chama de governo “ou suprema
administração, o exercício legítimo do poder executivo, e de Príncipe ou
magistrado o homem o corpo encarregado dessa administração” (p.82).
Ressaltando, porém, que para Rousseau há uma
significativa distinção entre Estado e Governo, onde o primeiro só existe por
si só e o outro só existe por meio do soberano, desta forma, o soberano só pode
ter por vontade o que está na lei e sua força só pode ser a pública e o seu interesse
somente o que represente o interesse geral, comum a todos. Portanto, nesta
ótica de pensamento percebo que a lei é de suma importância neste Estado
idealizado por Rousseau, ela é um ato da vontade geral e a declaração da
soberania, determinando o destino do Estado, mostrando que neste contrato
social o legislador tem um papel significativo, de acordo com Rousseau “O
legislador é, sob todos os aspectos, um homem extraordinário no Estado” (p.56),
pois é através dele que o cidadão
recebera sua forma de viver, onde deverão sempre objetivar ter uma fidelidade
às necessidades essenciais da natureza humana. Diante do exposto, fazendo um
paralelo com o Estado brasileiro observo que a lei também tem muita importância
para nosso Estado, assim com no de Rousseau, contudo existe uma dificuldade na
efetividade e no cumprimento de algumas leis, fazendo com que essas não tenham
a eficácia social para qual se destinam, causando assim, por diversas vezes o
sentimento de impunidade.
Rousseau explanou ainda sobre a democracia,
aristocracia e monarquia, porém para o mesmo o que institui um bom governo é o
sinal de conservação e prosperidade dos que dele fazem parte, a resposta que
demonstraria tal sinal seria o seu número e sua povoação, ou seja, “que não
se busque em outra parte esse sinal tão disputado. Permanecendo o resto igual,
o governo sob o qual, sem meios estrangeiros, sem naturalização, sem colônias,
os cidadãos mais povoam e se multiplicam é infalivelmente o melhor, e aquele
sob o qual o povo diminui e enfraquece é o pior” (Rousseau p.114). Outro
ponto, do pensamento de Rousseau que me chamou a atenção é o fato de ele achar
que seria bom para o Estado que ele fosse tolerante com todos os tipos de
religiões e que essas fossem tolerantes umas com as outras respectivamente,
isto é, já defendia uma liberdade de crença (pelo menos de forma parcial).
Dizemos que essa liberdade de religião se faz parcial em Rousseau, devido sua
crença de que o Estado deveria usar a lei para banir qualquer religião que
fosse socialmente prejudicial, desta forma, tolhendo essa liberdade de religião
aos interesses do Estado, já que as doutrinas de uma religião não poderiam está
em nenhum momento de encontro aos ideais do próprio Estado.
Mediante tudo, pude concluir que o contrato
social é um livro cheio de idéias transformadoras, que vieram para marcar época
modificando o contexto histórico, foi uma das obras que marcou os ideais da
Revolução Francesa podendo ser estendida até os dias atuais, pois firma a
construção da noção de Estado moderno.
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